sábado, 25 de agosto de 2012



Por Gerson Freitas Jr. (Valor, 04/10/11) adverte que, apesar da alcunha de “celeiro do mundo”, o Brasil ainda está longe de ser o maior fornecedor global de alimentos. Mesmo com todo o crescimento recente, o país ainda está distante de alcançar os patamares de produção e exportação dos Estados Unidos, a maior potência agrícola do planeta. Contudo, há um quesito em que o agronegócio brasileiro lidera com folga e vantagem crescente sobre os concorrentes americanos: a geração de saldos comerciais.
Os últimos dados do Ministério da Agricultura mostram que o setor registrou saldo comercial recorde, de US$ 71,9 bilhões, no período de 12 meses encerrado em agosto. Líderes no ranking de exportação, os Estados Unidos estimam saldo de US$ 42,5 bilhões no ano encerrado no último dia 30, um resultado 40% inferior ao brasileiro. É importante fazer uma ressalvahá diferenças entre as metodologias adotadas por Brasil e EUA nesse cálculo. Ao contrário do nosso ministério, o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) não contabiliza, por exemplo, transações de produtos florestais e pescados. Além disso, nenhum dos dois contabiliza suas importações de insumos para a produção agropecuária, o que superestima o resultado externo do setor.
Mesmo assim, o resultado é consistente com os últimos dados consolidados da Organização Mundial do Comércio (OMC), que aplica uma única metodologia. Segundo a OMC, o Brasil fez em 2009 um saldo US$ 30,6 bilhões maior que os EUA. Na comparação entre os dados de cada governo, a vantagem brasileira naquele ano foi de US$ 31,9 bilhões.
O agronegócio dos Estados Unidos produzia um saldo maior que o brasileiro até o fim dos anos 90. Em 1999, o Brasil, que sofria com a crise de países emergentes, viu-se obrigado a desvalorizar o real e a estimular as exportações para equilibrar as contas. O câmbio favorável, combinado com o financiamento para a renovação do maquinário (Moderfrota do BNDES) e a renegociação das dívidas do setor que o precedeu, abriu caminho para um novo ciclo de investimentos. De lá para cá, a vantagem brasileira apenas cresceu.
Os Estados Unidos ainda são os maiores exportadores brutos de produtos agropecuários. O USDA estima que o país vendeu o equivalente a US$ 137 bilhões nos últimos 12 meses, 55% mais do que os US$ 88 bilhões exportados pelo agronegócio brasileiro entre setembro de 2010 e agosto de 2011. Nesse quesito,os americanos ampliaram sua vantagem sobre os brasileiros, de cerca de US$ 30 bilhões para quase US$ 50 bilhões na última década.
A principal diferença entre os dois países está no fôlego das importações americanas, que saltaram de US$ 38,9 bilhões para US$ 94,5 bilhões desde o início dos anos 2000. Só nos últimos 12 meses, as despesas saltaram 20% impulsionadas pela alta dos preços. Com isso, os americanos importaram, na média, o equivalente a US$ 0,70 para cada dólar adicional exportado desde 2000.
O Brasil também viu suas importações se multiplicarem, proporcionalmente mais que as americanas, mas em uma base muito inferior: de US$ 5,7 bilhões, no ano 2000, para pouco mais de US$ 16,3 bilhões nos 12 meses até agosto. Desse modo, o setor agropecuário brasileiro importou apenas US$ 0,18 para cada dólar adicional exportado.
Os Estados Unidos são um país relativamente aberto, possuem uma demanda enorme e são dependentes das importações de vários produtos. Os americanos importam grandes volumes de açúcar, café, suco de laranja, frutas e outros itens tropicais. Apenas os desembarques de hortifrutigranjeiros nos últimos 12 meses são estimados em US$ 39,5 bilhões, 11% mais do que em 2010. As importações de açúcar e café, produtos dos quais o Brasil é o maior exportador mundial, ultrapassam a marca de US$ 13 bilhões no período.
Já o Brasil é autossuficiente em quase todos os produtos agrícolas. Vai demorar muito tempo até que o Brasil tenha uma renda capaz de comprometer o balanço agrícola. Até lá, vai continuar a importar apenas aquilo em que não é competitivo e tem o mercado aberto por causa do Mercosul, como nos casos como o do arroz e do leite.
Os biocombustíveis também tiveram papel relevante. Os subsídios ao etanol de milho fizeram com que todo o incremento na produção do grão nos Estados Unidos – cerca de 70 milhões de toneladas, mais do que cresceu toda a oferta de grãos e fibras no Brasil – fosse absorvido internamente, estagnando as exportações nos níveis do ano 2000. O etanol também limitou o potencial de crescimento da soja, que disputa área com o milho, e a competitividade da carne americana.
Com isso, os americanos abriram espaço para o Brasil. Segundo dados da OMC, os EUA viram sua participação nas exportações agrícolas globais cair de 13% para 10,2% entre 2000 e 2009. Já a fatia do Brasil cresceu (embora ainda seja tímida) de 2,8% para 4,9%. Brasil e EUA estão hoje muito próximos em competitividade. Mas, na margem, os americanos têm dificuldades para crescer, o que é uma enorme vantagem para o Brasil nessa disputa por mercado. O País tem cerca de 90 milhões de terras agricultáveis ainda virgens.


Documentos estatístico do Dieese com dados bastante interessante:

http://www.dieese.org.br/anu/anuarioRural/anuarioRural10-11.pdf
Trecho do documento do Ministério da Agricultura sobre as projeções do agronegócio no Brasil até 2021:
"As projeções regionais mostram que o Rio Grande do Sul deve continuar liderando a  expansão do arroz no Brasil nos próximos anos. A produção do Estado que representa em  2010/2011, 64,5% da produção nacional de arroz, deve aumentar a produção nos próximos  anos em 23,6% e a área em 15,6%. Isso representa até 2020/2021 aumentos médios anuais de  2,1% da produção e de 1,42% da área de arroz no estado.
A produção de cana-de-açúcar deve se expandir a taxas elevadas em todos os  estados considerados. Em São Paulo a produção deve aumentar em 132,5 milhões de  toneladas. Para atender a esse crescimento, a área no estado deve aumentar em 29,2% no final  do período das projeções. Pelas previsões realizadas, o estado de Goiás é o que deve  apresentar nos próximos anos maiores aumentos da produção (42,1%) e da área de cana-de açúcar (41,8%).
Mato Grosso deve liderar nos próximos anos o crescimento da produção e da área de  milho e soja.  Tanto a produção como a área têm previsão de crescimento nesse estado. O milho deve sofrer nos próximos anos redução de área em Minas Gerais e Paraná. Esse produto  deve ceder área especialmente para a soja e possivelmente para a cana–de-açúcar. A soja deve  aumentar a produção sem que haja redução de área em nenhum dos estados analisados. Também com relação a esse produto é surpreendente a liderança prevista para Mato Grosso." 

Em sumas palavras: a soja e milho continua avançado e a cana ganha mais espaço!!


Um interessante análise sobre a situação do cerrado em municípios de Goiais. Percebam, em dados, a área de cerrado e a área de pastagem!O artigo todo encontramos em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1982-45132012000100004&script=sci_arttext, acesso em 25/08/2012.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Sustentabilidade é possível?




Isso é ser sustentável?


Fonte: http://geografianovest.blogspot.com.br, acesso em 24/08/2012

O termo sustentabilidade vem sendo aplicado atualmente como o ponto X das questões ambientais,  seja para produção de energia, alimentos, matérias-primas entre outros, envolvido em ações que visem preservar o meio ambiente e utiliza-lo de forma coerente e adequada. Mas ser sustentável talvez seja mais difícil do que imaginamos, já que o modelo econômico seguido atualmente não suportaria viver com os recursos naturais tão reduzidos.
Vejamos na imagem acima o exemplo daquilo que acreditamos ser o modelo a seguido pelos capitalistas ao se dizerem sustentáveis, ou seja, para tudo se tem um preço, alto por sinal.



segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Agrocombustíveis x biocombustíveis

Agrocombustíveis x biocombustíveis



Embora os dois termos venham sendo utilizados comumente como sinônimos, de fato não são. O Prof. Dr. do Departamento de Geografia, UNESP Presidente Prudente,José Tadeu Garcia Tommaselli, afirma que os agrocombustíveis só podem ser colocados na categoria dos biocombustíveis "[...] se forem obedecidos os preceitos básicos da sustentabilidade: melhoria das condições sociais da parcela da população que atua direta e indiretamente em todo o ciclo de produção;aumento da intensidade da cadeia econômica, com geração de empregose distribuição de renda e, por fim, mas não menos importante, produção dentro dos limites dos ecossistemas, evitando os impactos negativos sobre o ambiente natural e evitando a destruição da biodiversidade. [...]"1.
Refletindo sobre o assunto, escolhemos uma charge que acreditamos ser bastante representativa do que ocorre em nosso país no que se refere à produção dos agrocombustíveis e mostra o quanto ainda estamos distantes da sustentabilidade necessária para elevá-los à condição de biocombustíveis.
A charge, publicada na Folha de São Paulo, é de autoria do desenhista, cartunista e chargista brasileiro, Jean Galvão e foi extraída do blog de Daniel Hiraici.
Com o objetivo de ampliar as possibilidades de leitura crítica da charge, disponibilizamos a seguir, um texto elaborado por Arthur Henrique de Oliveira(PUC-SP), pelo Programa de pós-graduados em História da Ciência PUC/SP, sob a orientação da Profa. Dra Maria Elice B.Prestes. Neste texto, o autor propõe reflexões a respeito das relações entre biocombustíveis e sutentabilidade.

BIOCOMBUSTÍVEIS E SUSTENTABILIDADE: REFLEXÕES NECESSÁRIAS
1 INTRODUÇÃO
A discussão em torno da produção de energia limpa e renovável não é recente,no final do século XIX Rudolph Diesel, inventor do motor de combustão interna (motor diesel) utilizou álcool e óleo de amendoim como combustíveis em seus ensaios (BARUFI et al, 2007), mas o tema ganhou caráter de urgência nos últimos tempos, principalmente após a divulgação do relatório sobre aquecimento global do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas). Diante do alarde provocado pelo relatório ficou patente a necessidade de adoção de medidas efetivas governamentais como forma de frear o aumento dos gases atmosféricos que causam aquecimento global, uma dessas medidas é o estimulo ao uso dos biocombustíveis.
Os biocombustíveis são fontes de energias renováveis, derivados de produtosagrícolas como a cana-de-açúcar, plantas oleaginosas (babaçu, amendoim, soja,mamona, girassol, canola, dendê, pinhão manso, arroz, etc), biomassa florestal e outras fontes de matéria orgânica, como a gordura animal.
1.1 Etanol
O etanol constitui-se hoje como um produto de diversas aplicações no mercado,sendo largamente utilizado como combustível automotivo na forma hidratada oumisturado à gasolina.
Definitivamente o etanol entrou na agenda de empresas de tecnologia, governose, principalmente, de investidores interessados nas grandes oportunidades que o setor tende a oferecer (PINTO, MELO et al, 2008).
Porém, apesar dos intensos impactos ambientais que a produção dosbiocombustíveis pode causar ao ambiente, a questão vem sendo negligenciada pelos que defendem a substituição do petróleo pelo álcool como medida para reduzir o aquecimento global. Recentemente a BBC Brasil, citando reportagem da Revista Time afirmou que o desmatamento na Amazônia está sendo acelerado por uma fonte improvável: os biocombustíveis (GARCEZ, 2008).
Segundo Cristo, (2008), historicamente no Brasil a produção de cana-de-açúcaré conhecida pela superexploração do trabalho, destruição do meio ambiente eapropriação indevida de recursos públicos. As usinas se caracterizam pela concentração de terras para o monocultivo voltado à exportação. Utilizam em geral mão-de-obra migrante, os bóias-frias, sem direitos trabalhistas regulamentados. Os trabalhadores são remunerados pela quantidade de cana cortada, e não pelo número de horas trabalhadas.
E ainda assim não têm controle sobre a pesagem do que produzem. Alguns chegam a cortar, obrigados, 15 toneladas por dia. Tamanho esforço causa sérios problemas de saúde, como câimbras e tendinites, afetando a coluna e os pés. Ainda segundo o religioso, o prefixo grego bio cujo significado é vida, deveria ser substituído por necro, morte, ou seja, os necrocombustíveis estão sendo denominados incorretamente de biocombustíveis.
1.2 Biodiesel
Biodiesel é uma denominação genérica para os combustíveis obtidos a partir deóleos vegetais e gorduras animais para serem usados em motores de ignição porcompressão, conhecidos como motores a diesel. É importante ressaltar que o óleo puro das oleaginosas não pode ser considerado como biodiesel, mesmo que misturado ao diesel de petróleo. Este é um engano bastante comum, apenas o diesel vegetal obtido pelo processo denominado quimicamente por transesterificação pode ser classificado como biodiesel. Quando se tem uma mistura de 2% de biodiesel e 98% de diesel, esta recebe o nome de B2, 3% B3, 5% B5, e assim por diante. Quando temos apenas biodiesel, atribuímos o nome de B100 (BARUFI at al, 2007).
Em relação ao biodiesel, apenas recentemente esse biocombustível entrou naagenda do governo brasileiro. Apesar da primeira patente do biodiesel no mundo ter sido obtida no Brasil, em 1980, pelo Professor Dr Expedito Parente, da Universidade Federal do Ceará seu processo de industrialização ocorreu na Europa nos 1990, sendo este continente hoje o principal mercado produtor e consumidor do mundo. No Brasil somente em 2004 é que foi lançado, oficialmente, pelo governo brasileiro o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (BARUFI, et al, 2007).
A tecnologia desenvolvida para a mistura direta de óleo vegetal ou animal ao diesel convencional vem sendo testada pela Petrobrás e recebe a denominação de “H-Bio”, possuindo características físicoquímicas idênticas às do diesel convencional, com exceção do fato de não conter enxofre em sua fórmula e não ser ainda economicamente viável (BARUFI et al, 2007).
2 PRINCIPAIS CRÍTICAS AOS BIOCOMBUSTÍVEIS
A preocupação com a questão ambiental não vem recebendo a mesma atençãoque o aumento de produção, fatores essenciais para a sustentabilidade da agricultura canavieira não estão sendo levados em conta, e embora seja indiscutível o avanço ambiental ocasionado pela substituição de boa parte dos combustíveis fósseis pelo etanol, principalmente nos grandes centros urbanos, não se pode dizer o mesmo dos impactos ecológicos de seu processo produtivo como a degradação de ecossistemas, poluição atmosférica causada pelas queimadas, poluição de cursos d’água e do lençol freático causado pela aplicação excessiva de agrotóxicos.
Também a rotina de trabalho nos canaviais equipara a vida útil dos cortadores àdos escravos do início da colonização brasileira. Devido à ação repetitiva e ao esforço físico, o trabalhador, com o passar do tempo, começa a apresentar problemas sérios de coluna, nos pés, câimbras e tendinites, já que chega a colher cerca de 15 toneladas de cana-de-açúcar por dia (ALVES, 1992). Geralmente nesse sistema manual de corte o contrato de trabalho é por tempo determinado, e os trabalhadores não recebem seguro desemprego, férias, décimo terceiro. Grande parte dos trabalhadores que compõem o contingente de cortadores são migrantes nordestinos requisitados preferencialmente porpossuírem um perfil para o corte manual. A necessidade premente de ganhar dinheiro, para assegurar a subsistência da família distante, tem funcionado como um freio que os torna mais tolerantes com os descumprimentos das leis trabalhistas, com as injustiças e as distorções que ocorrem nas medições, uma vez que o salário é calculado sobre a quantidade de cana cortada, quanto mais se corta, mais se ganha (NOVAES, 2007).
Segundo Cassol (2007), o etanol é um combustível limpo, produzido de maneirasuja, além de ambientalmente insustentável no processo de produção e socialmente perverso na maneira como aloca mão-de-obra e trata os trabalhadores, beneficiando apenas os grandes usineiros. E de acordo com estudos recentes o benefício do uso do etanol no combate ao aquecimento global é questionável, pesquisas recentes realizadas na Universidade de Minnesota (EUA), publicado em fevereiro pela revista Science, indicou que a conversão de florestas no Brasil, no Sudeste Asiático e nos EUA para o cultivo de grãos e outras plantas usadas como matéria-prima na produção de biocombustíveis pode gerar emissões de dióxido de carbono maiores do que as que se economiza com combustíveis fósseis.
Na Europa os ambientalistas têm adotado o termo agrocombustíveis, que é bemmenos positivo, em lugar de biocombustíveis (RANGEL, 2008). Também o Fórum de Soberania Alimentar realizado em fevereiro de 2007 em Mali, na África, a ViaCampesina Internacional decidiu que o termo biocombustível deveria ser substituído por agrocombustível. Isso porque a organização social avalia que o incentivo a esse tipo de combustível tem levado ao crescimento das monoculturas ameaçando a economia familiar e a soberania alimentar (CASSOL, 2007).
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os riscos pela corrida desenfreada pela produção de biocombustíveis, devem nosalertar para os impactos ambientais gerados pela monocultura, do prejuízo à soberania alimentar e ao aumento da exploração econômica sobre os pequenos agricultores. Mesmo que toda a superfície da Terra fosse utilizada para produzir biocombustíveis, seria impossível a manutenção do consumo nos patamares de hoje, o que denota a necessidade urgente de se diversificar a matriz energética mundial. Porém, apesar das preocupações com os problemas ambientais serem hoje consensuais, não se pode afirmar o mesmo quando se discute as ações concretas e necessárias para a reversão desse quadro, uma vez que, a complexidade da situação requer a conciliação de interesses, muitas vezes antagônicos entre si.
O principal argumento usado para apostar nos biocombustíveis é que eles sãofontes renováveis de energia, ou seja, não se esgotam como o petróleo. Mas este cenário representa de fato uma saída para o colapso ambiental do planeta e uma alternativa para
a agricultura ou constitui-se apenas uma conjuntura para criar novas fontes deoportunidades para o agronegócio?
Referências Bibliográficas
ALVES, F. J. C.
Modernização da agricultura e sindicalismo rural. Campinas, Tese de Doutorado. Instituto de Economia. Unicamp Universidade Estadual de Campinas, 1992.
BARUFI, C.; PAVAN, M.O.; SOARES, M.Y. Biodiesel e os dilemas da inclusãosocial.
In: As novas energias no Brasil. Dilemas da inclusão social e programas degoverno. Célio Bermann (Org.). Rio de Janeiro: Fase, 2007.
CASSOL, D. Bioenergia, para quem? Acesso em 09 abril de 2008. Disponível em:
http://www.adital.org.br/site/noticia.asp.
CRISTO, C. A. L. Necrocombustíveis. Acesso em 10 abril 2008. Disponível em
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=28604
GARCEZ, B. Brasil vive efeito destrutivo dos biocombustíveis, diz Time. Acesso em 10 abril 2008. Disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story
NOVAES, J.R.P. Campeões de produtividade: dores e febres nos canaviaispaulistas.
Acesso em 09 abril de 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.
PINTO, E.; MELO, M.; MENDONÇA, M.L. O Mito dos Biocombustíveis. Acesso em 10 abril 2008. Disponível em: http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=2949
RANGEL, C. União Européia já vê etanol como vilão e ameaça planos do Brasil.Acesso em 10 abril 2008. Disponível em: https://www.fao.org.br/vernoticias.

domingo, 19 de agosto de 2012

Biocombustíveis, energia limpa?



Os impactos ambientais provocados pela produção do etanol no Brasil; os danos da monocultura da cana nos Estados brasileiros; a questão da saúde dos trabalhadores; a incapacidade de combater as mudanças climáticas; os impactos na flora, fauna e recursos hídricos; são temas que são tratados numa catilha com o título de  "Os impactos da produção de cana no Cerrado e Amazônia"
Organizadores - Comissão Pastoral da Terra - Rede Social de Justiça e Direitos Humanos

Esta cartilha está em pdf com o nome de Cartilha impactos da teste
http://www.observatoriodoagronegocio.com.br/.../CPT%20Etanol 141108

FAO sugere que EUA reduzam estímulo a biocombustível


FAO sugere que EUA reduzam estímulo a biocombustível

10/08/2012   -   Autor: Jéssica Lipinski   -   Fonte: Instituto CarbonoBrasil

De acordo com diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, muitos incentivos à produção de biocombustíveis em tempos de instabilidade climática podem levar a crise no setor de alimentos


Nesta quinta-feira (9), o diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), o brasileiro José Graziano da Silva, pediu em um artigo publicado no jornal Financial Times que os Estados Unidos revejam sua política de incentivo aos biocombustíveis com o objetivo de evitar uma crise no setor alimentar.
De acordo com Silva, que é agrônomo, a instabilidade climática e a seca severa que os EUA vêm enfrentando estão levando a uma redução na produção de alimentos, em especial dos cereais, no país, o que pode acirrar a disputa entre os setores de geração de biocombustíveis e de produção alimentícia, levando a uma crise neste último.
“Muitas das reduzidas colheitas serão reivindicadas para a produção de biocombustíveis, em conformidade com os mandatos federais dos EUA, deixando ainda menos para os mercados alimentícios”, comentou.
Isso leva a uma diminuição na oferta de cereais para a produção de alimentos, o que faz com que o preço destes suba. De fato, esse aumento já está sendo sentido no mercado. Segundo a FAO, em julho deste ano o Índice de Preços de alimentos chegou a 213 pontos, 12 (6%) acima do mês anterior e pouco abaixo do pico de 238 atingido em fevereiro de 2011.
A elevação ocorreu principalmente nos preços dos cereais, cujo índice atingiu a média de 260 pontos em julho, 38 pontos (17%) acima de junho e apenas 14 abaixo do pico de 274 alcançado em abril de 2008. Os preços mundiais do milho, por exemplo, subiram 23% em julho, e os do trigo, 19%, devido às baixas perspectivas das colheitas nos Estados Unidos e na Rússia.
“Com os preços mundiais dos cereais aumentando, a competição entre os setores alimentício e de combustíveis por colheitas como milho, açúcar e sementes oleaginosas tende a se intensificar”, explicou Silva.
Por isso, o diretor-geral da FAO sugere que o governo norte-americano diminua ou suspenda temporariamente o seu Padrão de Combustíveis Renováveis (RFS), que exige que as empresas de combustíveis garantam que 9% de seus reservatórios de gasolina sejam destinados para o etanol, o que exige que boa parte da produção de cereais dos EUA seja convertida em biocombustíveis.
“No momento, relata-se que a produção de energia renovável nos EUA tenha atingido 15,2 bilhões de galões em 2012, para os quais usou o equivalente a cerca de 121,9 milhões de toneladas, ou aproximadamente 40%, da produção de milho dos EUA”, observou ele.
 “Uma forma de aliviar um pouco da tensão seria diminuir ou suspender temporariamente os mandatos dos biocombustíveis. Uma suspensão imediata e temporária desse mandato daria algum descanso ao mercado e permitiria que mais colheitas fossem canalizadas para usos alimentares”, acrescentou.
Defesa
Embora o programa norte-americano de estímulo aos biocombustíveis enfrente críticas como o potencial aumento no preço dos alimentos, também recebe muito apoio dos estados e empresas que investem na produção destes biocombustíveis, o que em ano eleitoral significa criar uma situação delicada para o presidente Barack Obama, candidato à reeleição.
Alguns defensores do padrão sustentam que, se o RFS fosse suspenso temporariamente, poderia gerar alguns efeitos indesejáveis, como diminuir também o incentivo ao uso de celulose e outros produtos que desestimulam a dependência dos biocombustíveis em produtos alimentícios.
Além disso, representantes do governo indicam que é improvável que o mandato seja alterado, justificando também que tal mudança teria pouco ou nenhum impacto nos preços dos alimentos.

http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6707052356800126320#editor/target=post;postID=5888333524084537868
Acesso em 19/08/2012

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Alimentos e biocombustíveis


Alimentos e biocombustíveis
Antonio J. A. Meirelles

O professor Antonio J. A. Meirelles, da FEA.Após um período de avaliação, em geral, muito positiva, os biocombustíveis passaram a ser questionados de forma bastante intensa, com a ênfase colocada no possível conflito entre a produção de energia e de alimentos. A conseqüência direta da disputa pelo mesmo espaço de produção seria a elevação dos preços de diversas matérias-primas agrícolas, com impacto imediato no custo de alimentação dos setores menos favorecidos da população. Com menor repercussão, mas igualmente relevantes, outros questionamentos vem sendo levantados, associados seja ao impacto negativo sobre o meio ambiente de uma expansão acelerada da agricultura, seja aos riscos de uma especialização nacional em produtos primários.
Dilemas como estes, pelo menos no caso brasileiro, deveriam ser analisados à luz de uma experiência de mais de 30 anos na produção de bioetanol. Apesar dos equívocos que se possa atribuir ao Pró-Álcool, o certo é que o êxito obtido parece hoje inegável. Baseado, desde seu início, no binômio Alimentos e Energia, o Pró-Álcool aumentou a flexibilidade da produção sucro-alcooleira, viabilizando uma enorme ampliação das escalas de produção e um rápido processo de incorporação, aperfeiçoamento e desenvolvimento de tecnologias. O resultado foi a expansão da produção de açúcar a uma taxa anual de 4,6% e a de álcool a 9,5% nos últimos 36 anos.
Se colocarmos o total de açúcar e de álcool produzidos no país em uma base única, expressa na forma de álcool hidratado equivalente por hectare de área plantada, pode-se estimar que a produtividade agroindustrial do setor sucro-alcooleiro cresceu, desde o início do Pró-Álcool, a uma taxa anual de 3,8% (vide Nastari, 2005). Este índice é o resultado de significativos ganhos de eficiência produtiva: ganhos na quantidade de cana por hectare, de 53 toneladas em 1977 para 80 em 2003, no teor de açúcar contido nesta cana, de 9,5% para 14%, no rendimento da extração, de 88% para quase 98%, no tempo de fermentação do caldo, que caiu a quase ¼ do valor vigente no início do período, e no teor final de álcool no vinho, o qual praticamente duplicou durante estes quase 30 anos (vide Amorim e Lopes, 2005).
A expansão da produção sucro-alcooleira deslocou outras culturas agrícolas ou ocupou terras utilizadas anteriormente pela pecuária, mas, apesar de todo seu crescimento, a lavoura canavieira ocupa atualmente cerca de ¼ da área utilizada pela soja, menos da metade daquela ocupada pelo milho e pouco menos de 10% do total de área atualmente cultivada no país. Por sua parte, este total corresponde a cerca de 20% dos mais de 300 milhões de hectares considerados como agricultáveis no território nacional. Desta forma, o espaço ocupado pela cana para o fim exclusivo de produção de bioetanol corresponde a menos de 1% da terra agricultável nacional, já que a produção de açúcar e de álcool divide, de forma aproximadamente igual, a quantidade total de cana cultivada. À luz destes dados não parece muito provável um conflito entre alimentos e combustíveis pela terra agrícola nacional.
Por outro lado, a expansão da produção de biocombustíveis terá outro tipo de efeito na economia brasileira: ao ampliar significativamente a escala do negócio agroindustrial e reduzir os custos unitários de produção, aquela expansão deverá viabilizar economicamente a produção de diversos outros bioprodutos para alimentar vários segmentos industriais. A recente parceria entra grandes empresas químicas e usinas tradicionais para a produção do “plástico verde” (polietileno derivado do etanol) indica uma trajetória cada vez mais provável para vários bioprodutos.
A combinação da produção de óleos vegetais e biodiesel deverá não só repetir o sucesso do binômio açúcar e álcool, como também ampliar o leque de possíveis bioprodutos a serem gerados de matérias-primas agrícolas (vide Schuchardt et al., 2001). A transformação das unidades agroindustriais em biorrefinarias, capazes de produzir uma gama variada de insumos renováveis e se constituindo em um segmento industrial de base biotecnológica, é uma possibilidade colocada no horizonte de nosso desenvolvimento econômico.
De fato, pela disponibilidade de terras agricultáveis, por possuir uma agroindústria já madura, por ter uma mão-de-obra especializada com capacidade comprovada de desenvolver tecnologias agrícola e industrial próprias, por possuir um setor produtor de bens de capital para a agroindústria já desenvolvido, e pelos mais de 30 anos de experiência acumulada com a produção conjunta de alimentos e biocombustíveis, o Brasil parece ser na atualidade o país que reúne as melhores condições para viabilizar uma trajetória deste tipo.
Não há dúvida de que tal evolução aumentará a pressão sobre a agricultura, requerendo uma contínua elevação de sua produtividade, mas os benefícios que gerará no longo prazo não estão somente associados ao desenvolvimento econômico, tecnológico e social, como também à garantia de uma maior sustentabilidade deste desenvolvimento, do ponto de vista ambiental, já que tal evolução significará transitar para uma economia crescentemente baseada em recursos renováveis.
Vale, por fim, mencionar que a elevação dos preços de diversas commodities agrícolas, observada nos últimos anos, está, por um lado, associada a um aspecto positivo da evolução recente da economia mundial: a saber, a incorporação de enormes contingentes populacionais, em particular na China e Índia, mas também no Brasil e em outros países de desenvolvimento, a melhores padrões de consumo. Por outro lado, aquela elevação foi também ocasionada pela própria política de barreiras alfandegárias e de subsídios à agricultura, inclusive para a produção de biocombustíveis, praticada na União Européia e nos Estados Unidos. Trata-se de uma política que, sem dúvida, inibe o desenvolvimento agrícola nos países tropicais, exatamente onde ainda há grandes estoques de terras não utilizadas, e que acaba por dificultar que a exitosa experiência agroindustrial brasileira se dissemine por outros países latino-americanos e africanos.
Antonio J. A. Meirelles é professor da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp (FEA).

http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/maio2008/ju396pag9a.html
Acesso em 17/08/2012
10/07/2007 - 19:30

Etanol e biodiesel: energia para quem?

Num modelo que traz impactos negativos a comunidades tradicionais, procura-se transformar o Brasil em grande exportador de combustíveis líquidos, destinando grandes extensões de terra para a monocultura.
Por Heitor Scalambrini Costa *
Muitos acreditam e manifestam a crença de que o mercado pode ser o responsável pela implantação da filosofia do desenvolvimento sustentável. Acreditam que, com o decorrer do tempo, e com o surgimento de novas tecnologias, os problemas ambientais podem ser sanados e superados, resultando numa melhoria do bem-estar social ou mesmo na diminuição das desigualdades sociais.
O fato é que o desenvolvimento sustentável não pode ser tratado apenas como uma questão restrita a políticas ambientais e tecnológicas. Os problemas da desigualdade social e do modo de produção atual são os obstáculos para se alcançar uma forma de desenvolvimento capaz de preservar o meio ambiente e, ainda assim, proporcionar melhores condições de vida às pessoas excluídas do sistema de trabalho. Um modelo sustentável só será possível a partir da mudança dos modos de produção e de consumo da sociedade.
É a razão capitalista com base no consumismo, no militarismo e na da lógica de acumulação do capital que está levando o nosso planeta - e os seres vivos que o habitam - a uma situação catastrófica do ponto de vista do meio ambiente, das condições de sobrevivência da vida humana e da vida em geral.
A questão central é como vamos mudar o sistema de produção. Na medida em que muda a produção, muda também o consumo. A produção comanda e obriga o consumo. Se há preocupação em mudar a questão ambiental é preciso pensar em mudar o sistema de produção, o modelo atual da civilização ocidental industrializada.
Discutir, portanto, uma mudança na matriz energética que realmente busque preservar a vida e o bem-estar dos indivíduos no planeta tem que levar em conta uma profunda transformação nos padrões atuais de produção/consumo, no estilo de vida, no conceito de "desenvolvimento" vigente e na própria organização de nossa sociedade. Entende-se que, para concretizar uma estratégia em bases sustentáveis, seria necessário investir em alternativas renováveis como a energia eólica, solar térmica, fotovoltaica, marés, ondas e biomassa. Porém, discutir novas fontes de energia implica, em primeiro lugar, refletir a serviço de quem estará esta nova matriz, e levar em conta quem se beneficiará ou a qual propósito ela servirá. Ou seja, energia para quê? E para quem?
Neste contexto, vejamos o que está ocorrendo em nosso país com relação à produção do etanol e do biodiesel. Com base no modelo do agronegócio, que destina grandes extensões de terra para a monocultura, procura-se transformar o Brasil em grande exportador de combustíveis líquidos com o apoio e a ganância de grandes grupos econômicos e fundos de investimentos. Este modelo causa impactos negativos em comunidades camponesas, ribeirinhas, indígenas e quilombolas, que têm seus territórios ameaçados pela expansão do capital.
O que se verifica hoje é a compra de terras por estrangeiros (japoneses, chineses, americanos, franceses, holandeses e ingleses) que estão aportando no país, comprando usinas e formando um estoque de terras que rende uma valorização acelerada, na linha da especulação típica das zonas urbanas. O Brasil entra com a terra, a água, o sol e mão-de-obra barata, enquanto eles colhem, exportam e vendem o produto, aplicando os lucros lá fora. Ficam com o verde da cana e dos dólares e, nós, com o amarelo da fome.
Legalmente, estrangeiros só podem comprar no Brasil o equivalente a três Módulos de Exploração Indefinida - área determinada por legislação específica que varia de acordo com a região do país, podendo atingir até 100 hectares. No entanto, representantes de outros países estão comprando terras brasileiras em abundância. Há uma lei que fala da aquisição de terras por estrangeiros. De acordo com ela, pessoas físicas de outros países só podem comprar mais que três desses módulos através de concessão governamental. Além disso, empresas e pessoas físicas estrangeiras não podem ter, juntas, mais do que 25% da área de um município.
Por isso, florestas públicas e terras estão sendo repassadas a estrangeiros por concessão. Se não defendermos a soberania nacional, o imenso canavial Brasil estará produzindo combustível para os países industrializados que, na defesa de seus interesses, cuidarão da segurança de seus negócios aqui. Ou seja, regressaremos ao estágio colonialista de República, não das bananas, mas da cana.
Em particular, a expansão da cana-de-açúcar no país para produção de etanol pode avançar sim sobre áreas onde atualmente se cultivam gêneros alimentícios, além de colocar em risco a integridade de importantes biomas, como a Amazônia, o Pantanal e a Caatinga. Até agora, não foi feito nenhum estudo aprofundado sobre as conseqüências e impactos da expansão das lavouras de cana e de plantas oleaginosas. Este modelo de expansão da produção de biocombustíveis coloca em risco a soberania alimentar e pode agravar profundamente o problema da fome no Brasil e no mundo, com efeitos perversos para a população mais pobre.
Sem abandonar estas fontes de riqueza para o país, o modelo agrícola a ser adotado deve estar baseado na agroecologia, no zoneamento agrícola e na diversificação da produção. Ele deve ser orientado por um sentido de desenvolvimento, que fortaleça a agricultura familiar e o desenvolvimento regional, e não pela lógica de querer, acima de tudo, transformar o Brasil
em um grande exportador de combustíveis.
Tem se afirmado com insistência, ao longo dos anos, que não existe solução para os problemas urbanos do Brasil sem melhorar a qualidade de vida no campo. Assim, a questão crucial não deve ser plantar isto ou aquilo, mas sim "plantar para quê e para quem". Essas questões, por sua vez, devem estar subordinadas a uma pergunta mais geral: qual padrão de desenvolvimento e de consumo a sociedade brasileira deseja? A produção de biocombustíveis como etanol e biodiesel só faz sentido se melhorar a qualidade de vida do povo.
Não é difícil imaginar os motivos do apetite internacional pelo etanol e biodiesel brasileiro. Resta saber se nos âmbitos público e privado saberemos usar esse potencial de forma criativa e estratégica. Caso contrário, uma vez mais irá prevalecer à lógica do imediatismo, que gera lucros exorbitantes para poucos no início para depois deixar a conta para a sociedade.
Heitor Scalambrini Costa é professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e coordenador de projetos do Centro de Estudos e Projetos de Energias Renováveis (Naper-Solar)
Acesso em 17/08/2012

Etanol: "verde" enganador



Etanol: o “verde” enganador
Há um abismo entre a retórica ecologicamente correta dos defensores do crescimento acelerado da produção de biocombustíveis e a realidade dos locais onde esse boom já está acontecendo. Os maiores riscos são os impactos sobre a Floresta Amazônica e o Cerrado
Igor Fuser     
     No dia 5 de julho deste ano, enquanto o presidente Luis Inácio Lula da Silva afirmava, na abertura da conferência internacional de biocombustíveis promovida pela Comissão Européia, em Bruxelas, que não havia produção de etanol na Amazônia, os jornais brasileiros repercutiam a descoberta, três dias antes, de uma fazenda onde 1.108 pessoas trabalhavam na colheita de cana-de-açúcar em condições degradantes, análogas ao regime da escravidão. Essa fazenda, encontrada por uma equipe do Grupo Móvel de Combate ao Trabalho Escravo, formado pelo Ministério do Trabalho, pertence a uma usina de produção de etanol localizada no município paraense de Ulianópolis, em plena Amazônia Legal.[1] A conduta dessa empresa pode não expressar a realidade da agroindústria do açúcar no seu conjunto, mas chama atenção para o lado sombrio dos cultivos brasileiros ligados à expansão da demanda de etanol. O que o episódio revela, sobretudo, é o imenso abismo existente entre a retórica em favor do crescimento acelerado da produção de biocombustíveis e a realidade nos locais onde eles são fabricados.
    O Brasil é o líder mundial das exportações de etanol, com 3,2 bilhões de litros vendidos ao exterior em 2006, e caminha para mais do que dobrar sua produção nos próximos cinco anos. A União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Única), principal entidade do setor, prevê um salto dos 17,8 bilhões de litros da última safra, finalizada em abril, para 38 bilhões em 2012. Nesse período, 76 novas usinas deverão se somar às 325 atualmente em operação, e as terras ocupadas com canaviais aumentarão de 6,5 milhões de hectares para 10 milhões.[2] A estimativa é ainda modesta se comparada, por exemplo, com o estudo elaborado pelo Núcleo de Estudos Estratégicos da Presidência da República (NAE), que vislumbra a possibilidade de o etanol brasileiro substituir, nos próximos 18 anos, 5% de toda a gasolina consumida no planeta. Para alcançar essa meta, a produção nacional  atingiria 85 bilhões de litros, cinco vezes o volume atual.[3] Dirigentes da Única calculam o potencial de aumento em até dez vezes.
   A euforia em torno desses números astronômicos tem a ver com a explosão do interesse internacional pelos biocombustíveis, vistos como uma fonte de energia ecologicamente correta, capaz de compensar, ainda que parcialmente, a escassez de petróleo sem agravar o aquecimento global. O etanol, assim como o biodiesel, é considerado um combustível de “emissão zero”, pois o carbono que libera na sua combustão é equivalente ao que as plantas usadas como matéria-prima acumulam no seu crescimento natural. Enfim, a solução perfeita. Mas o discurso otimista da energia “verde” omite ou minimiza os impactos ambientais e sociais associados ao cultivo desses vegetais na escala gigantesca indispensável para que o etanol gere os efeitos econômicos almejados.
   No caso da cana-de-açúcar brasileira, os ambientalistas têm apontado a alta probabilidade de que os biocombustíveis acelerem a devastação de ecossistemas frágeis, em especial o Cerrado e a Amazônia. Somam-se a esses riscos extremos os problemas ecológicos crônicos da monocultura açucareira, como as queimadas, o uso intensivo de fertilizantes e inseticidas e os resíduos tóxicos das usinas, especialmente o vinhoto. “Na avaliação das fontes sustentáveis de energia, é um erro considerar apenas o impacto causado no seu consumo”, adverte o agrônomo Mário Menezes, diretor-adjunto da organização ambientalista Amigos da Terra. “É preciso levar em conta os danos ambientais ocorridos em toda a sua cadeia produtiva.” Os críticos do etanol também vêem como motivo de preocupação as condições aviltantes que regem a atividade dos 1,2 milhão de trabalhadores nos canaviais e, ainda, as evidência, assinalada por organismos como as Nações Unidas e o Banco Mundial, de que a ênfase nos biocombustíveis está começando a prejudicar a produção de alimentos, agravando a fome mundial[4].
   Vem daí a persistente desconfiança que os propagandistas brasileiros do etanol têm enfrentado em sua campanha para conquistar mercados externos. Desconfianças justificadas. Afinal, a produção predatória de commodities para a exportação – açúcar, borracha, café, cacau, carne, madeira, soja, entre outras – é responsável por grande parte da destruição da cobertura vegetal do país nos últimos cinco séculos. Os governantes e os empresários asseguram que o meio ambiente desta vez será preservado, mas a credibilidade dessa promessa se vê abalada pelo avanço descontrolado da devastação da Amazônia, que já perdeu cerca de 20% de sua área florestal, sem que os órgãos de defesa ambiental consigam deter o desmatamento. Como acreditar que o país adotará métodos sustentáveis na fabricação do etanol? De onde virá a terra para plantar tanta cana?
    A resposta dos usineiros está na ponta da língua. “A cana ocupa apenas 1% da área agrícola do Brasil e, se a produção dobrar, não passará de 2%”, enfatiza Marcos Jank, presidente da Única.[5] Segundo ele, a ampliação dos canaviais ocorrerá somente em áreas degradadas pela criação de gado, vizinhas aos atuais cultivos, sem ameaçar ecossistemas relevantes. “O país possui 50 milhões de hectares em pastagens degradadas”, garante. Quanto à Amazônia, o argumento de Jank – e de todos os que negam a existência de risco para a floresta – é de que os canaviais são impróprios para aquela região, devido à intensa umidade do clima e à pobreza do solo.
    Para o ambientalista Menezes, os usineiros difundem uma visão distorcida do panorama rural. “Grande parte das terras ditas degradadas ou sub-aproveitadas são, na verdade, pastagens arborizadas, que possuem um valor significativo do ponto de vista ecológico”, afirma. “Quando se fala em meio ambiente, não se pode pensar apenas na preservação da mata primária. Você pode ter ganhos ambientais também em áreas que já foram alteradas.” Ele lembra que essas zonas, cobertas por vegetação rasteira, abrigam uma rica diversidade, inclusive árvores, que  seriam derrubadas para a instalação dos canaviais. Em muitos lugares estaria em curso um processo de regeneração da mata nativa. “A ocupação dessas pastagens pouco produtivas para dar lugar à monocultura da cana trará prejuízos ambientais relevantes”, alerta.
   Mas há danos piores, omitidos no discurso tranqüilizador dos usineiros. A devastação do Cerrado é, entre eles, o mais imediato. Por sua paisagem ressequida, menos exuberante que a das florestas tropicais, o maior ecossistema do Centro-Oeste costuma ser encarado com certo desprezo, o que facilita que seja destruído impunemente. No entanto, trata-se de uma região que abriga mais de 10 mil espécies de plantas (das quais 4.400 são endêmicas, ou seja, só ocorrem lá), 847 espécies de pássaros e quase trezentas de mamíferos. Ali se situam importantes mananciais de água. O ambientalista Ricardo Machado, da ONG Conservação Internacional, assinala que o Cerrado está desaparecendo mais depressa do que a Amazônia, num processo de destruição impulsionado sobretudo pelas plantações de soja, e agravado pela introdução dos canaviais.
   De acordo uma pesquisa de sua autoria, o Cerrado mantinha, em 1985, cerca de 73% de sua vegetação original, mas nas duas décadas seguintes o avanço do agronegócio provocou uma devastação implacável, a tal ponto que, em 2004, restavam apenas 43%. Em vinte anos, destruiu-se quase o mesmo que em todo o período de presença humana anterior. Machado acredita que, no período posterior à pesquisa, o espaço ocupado por pastagens e pela agricultura na região vem se ampliando em um ritmo ainda mais rápido, de 2,2 milhões de hectares por ano. “Muitas autoridades e proprietários rurais justificam esse desflorestamento pelo fato de que o Cerrado não é coberto por florestas tropicais densas, como a Amazônia ou a Mata Atlântica”, escreve. “A posição deles ignora o fato de que esse bioma representa a região de savana mais rica em biodiversidade no mundo inteiro, com recursos aquáticos de grande importância para o Brasil.”[6]
   As savanas do Centro-Oeste constituem a ponta-de-lança na conquista de vastas regiões do interior brasileiro pelos canaviais. O estado de Goiás registrou, no intervalo entre as colheitas de 1999/2000 e 2003/2004, um aumento de 81% na superfície utilizada pela cana-de-açúcar e, em 2006, já era responsável por 6,6% da colheita total brasileira. O atrativo de Goiás está na disponibilidade de mão-de-obra e nos terrenos planos. O oeste do Mato Grosso do Sul e o sudoeste de Minas Gerais (Triângulo Mineiro), zonas de predomínio do cerrado, também têm sido ocupadas por canaviais.
   É inevitável que, onde quer que se instale, a monocultura do açúcar reproduza o modelo predatório de exploração que implementou no estado de São Paulo, o grande pólo da expansão do etanol, com 85% da produção nacional. O agrônomo Manoel Eduardo Tavares Ferreira, presidente da Associação Cultural e Ecológica Pau Brasil, de Ribeiro Preto (SP), explica que, até a década de 1970, a região possuía 22% de cobertura vegetal nativa. A partir de 1975, quando os usineiros passaram a receber os generosos benefícios do Proálcool, com financiamentos estatais a juros negativos e longos prazos de carência, essa área se reduziu para menos de 3% na atualidade. O eixo da produção brasileira de cana-de-açúcar se transferiu do Nordeste para São Paulo, deslocou outros cultivos, como o gado, o tomate e as frutas, e a concentração da propriedade se acentuou. “A cultura canavieira – escreve Ferreira – avançou com voracidade sobre os campos de outras culturas rurais, e, em semelhante intensidade, o domínio das terras destinadas ao plantio da cana passou para as usinas, por força de aquisição ou de arrendamento”.[7]
    Ele relata que, nos arredores da cidade de Ribeiro Preto, “os canaviais ocupam mais de 1 milhão de hectares de forma contínua, com fortes impactos sobre as matas ciliares, a biodiversidade e a produção de alimentos”. No vizinho município de Bebedouro, outrora a “capital brasileira da laranja”, o cultivo de cítricos caiu de 80% para 25% em menos de dez anos, substituído gradualmente pela cana-de-açúcar. Um relatório da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) constatou uma queda da plantação de alimentos em 2,6% em Minas Gerais, 4,1% no Espírito Santo e e 7,6% em São Paulo – declínio atribuído ao crescimento da cana-de-açúcar no Sudeste do país. Essas cifras indicam que, ao contrário do que afirma a agroindústria do etanol, a expansão da cana tem um efeito direto sobre os cultivos alimentares.
    É difícil acreditar na tese de que os novos canaviais serão instalados em “pastagens degradadas” quando se observa a entrada maciça de capitais brasileiros e estrangeiros no negócio do etanol. Grandes parcerias, aquisições de empresas e novos fundos de investimento são anunciados quase toda semana. De acordo com a consultoria Datagro, o setor já atraiu, desde 2000, cerca de US$ 2,2 bilhões em investimentos externos.[8] A primeira fase da corrida do etanol foi marcada pela concentração da propriedade, num processo em que as usinas maiores compram as menores. Agora, a expansão exige mais terra, e de boa qualidade. A recuperação de áreas deterioradas, a fim de torná-las produtivas, requer muito tempo e gastos elevados, enquanto a lógica do agronegócio, em qualquer lugar do planeta, está voltada para o retorno rápido do investimento, com um mínimo de riscos. Como já ocorreu com a soja, nas décadas de 80 e 90, o atual crescimento do etanol se dá pela incorporação de novos territórios a esse cultivo, e não pela recuperação de áreas improdutivas. A Cosan, maior produtora de açúcar e álcool do país, apontou esse caminho ao anunciar a construção de três usinas em Goiás. Outro gigante do setor, a empresa Adecoagro, se associou ao megainvestidor George Soros e está construindo uma usina no Mato Grosso do Sul, num investimento de 1,6 bilhão de reais.
    Um indicador do interesse externo pelo etanol brasileiro é a criação, em março deste ano, da Brazil Reneawble Energy Company (Brenco), sob a liderança de dois nomes ilustres: Henri Philippe Reichstul, ex-presidente da Petrobras, e David Zylberstein, que comandou a Agência Nacional de Petróleo – ambos os cargos exercidos no governo de Fernando Henrique Cardoso. Entre os participantes desse fundo, que planeja aplicar US$ 2 bilhões na construção de 15 usinas, estão o bilionário indiano Vinod Khosla, criador da Sun Microsystems, e o australiano James Wolfensohn, ex-presidente do Banco Mundial.[9] Tamanho ingresso de dinheiro só poderia provocar uma explosão nos preços das terras. Por conta do avanço da cana-de-açúcar, o preço do hectare no oeste do estado de São Paulo, região com tradição pecuária, disparou entre 2002 e 2007. De acordo com o levantamento do Instituto FNP, especializado em negócios rurais, um hectare na região de Ribeirão Preto passou de R$ 9 mil para US$ 21mil. Em Presidente Prudente, no extremo oeste paulista, o salto foi de R$ 3 mil para R$ 6,2 mil. No embalo da chamada “inflação do etanol”, muitos fazendeiros vendem ou arrendam as propriedades – e se mudam com seus rebanhos para lugares mais distantes. “A cana avança sobre as áreas de grãos, laranja e pastagem”, afirma a analista de mercado Jacqueline Dettman Bierhals, do Instituto FNP.[10]
   Para onde vai o gado depois que é expulso pelos canaviais? Os usineiros afirmam que a valorização das terras leva os pecuaristas a adotar métodos modernos de criação intensiva, elevando a densidade do rebanho sem ampliar as áreas de pastagem. No entanto, a proporção de cabeças de gado por hectare teve um crescimento pífio no período de expansão dos canaviais, passando de 1,1 para 1,2. A suspeita é que boa parte desses rebanhos se desloca, mesmo, para áreas de fronteira agrícola, já que a oferta de carne não diminuiu. O agrônomo Menezes, da Amigos da Terra, avalia que “o atual modelo de expansão da cana-de-açúcar repete os mesmos passos da conquista do Centro-Oeste pelo monocultivo da soja”. O conceito chave, empregado por ele para desmontar a falácia de que a febre do etanol não causa danos ambientais, é o “vazamento”, ou seja, a devastação indireta por meio da mudança geográfica de atividades produtivas para regiões de fronteira agrícola. A tragédia da soja na Amazônia Legal, vale a pena lembrar, não se deu principalmente pela sua implantação direta na floresta amazônica – embora isso também tenha ocorrido –, e sim pelo plantio de grãos em áreas antes ocupadas por pastagens ou lavouras de subsistência, implantadas, por sua vez, no rastro da extração criminosa da madeira.
    Os pesquisadores Carlos Eduardo Frickman Young e Priscilla Geha Steffen, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), advertem que, se o aumento das áreas de cultivo para a produção do etanol resultar em aceleração do desmatamento, isso irá agravar o aquecimento global, ao invés de reduzi-lo. “É muito comum ouvir dos defensores do etanol e do biodiesel que há muitas áreas já desmatadas que podem ser utilizadas para esses combustíveis – escrevem --, mas não existe nenhum plano para impedir o ‘vazamento’ do desmatamento na fronteira agrícola, nem mesmo menção aos possíveis efeitos indiretos do crescimento do preço da terra.” Young e Steffen advertem para o quadro de vulnerabilidade que se gera na economia brasileira diante da falta de uma resposta satisfatória para essas questões. “Se for comprovado que a produção do biocombustível está associada ao desmatamento (e também à redução da biodiversidade), é muito provável que a esperada explosão da demanda externa não se verifique, e que o setor entre em crise.”[11]
     Esse fantasma foi admitido, implicitamente, pela ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, quando afirmou que “a Amazônia deve ser preservada para preservar o próprio etanol”.[12] A ministra protagonizou, em setembro, uma queda-de-braço com seu colega Reinhold Stephanes, ministro da Agricultura. Stephanes anunciou que o zoneamento agrícola da cana-de-açúcar, previsto para 2008, deverá permitir e até incentivar o plantio em áreas já degradadas ou devastadas da Amazônia. Marina protestou e ganhou o primeiro embate. Segundo o presidente Lula, essa cultura será proibida na região amazônica.
    Isso não anula uma situação de fato: os canaviais já fazem parte do cenário econômico da Amazônia. Em reportagem recente, o jornal O Estado de S. Paulo registra a presença, em quase todos os estados da Amazônia Legal, de instalações para a produção de álcool, algumas delas já em funcionamento, no Pará. O texto aponta, como prova que a Amazônia tem condições de produzir cana, a Agropecuária Jayoro, no município do Presidente Figueiredo (AM), a 100 quilômetros de Manaus, com 900 trabalhadores e uma área de 59 mil hectadores, dos quais 4 mil estão cobertos com oito variedades de cana adaptadas às condições locais. A empresa, que fornece açúcar para a Coca-Cola, planeja expandir os canaviais para produzir etanol, mas garante que não vai derrubar árvores e sim utilizar o espaço já desmatado nas décadas anteriores.
   Mesmo sem a eliminação de árvores, a investida canavieira está provocando problemas ambientais em escala suficiente para gerar reações de resistência em moradores de diversos lugares do país. Em Ribeirão Preto, a Associação Pau Brasil organiza todos os anos manifestações populares contra as queimadas – um dos costumes mais primitivos da monocultura canavieira. As queimadas, além de matarem os animais silvestres que se abrigam nos canaviais, poluem terrivelmente a atmosfera, provocando doenças e afetando a qualidade de vida da população nas áreas próximas. Em outubro deste ano, uma pesquisa de Willian César Paterlini, do Instituto de Química da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), comprovou a influência das partículas emitidas pela queima da cana-de-açúcar no aumento dos casos de asma e hipertensão em Araraquara, uma cidade cercada por canaviais.[13]
  A queima da palha da cana é indispensável nos casos em que o corte é manual, mas uma série de estudos mostra que a mecanização das colheitas é insuficiente para convencer os proprietários a abolirem a queimada, uma vez que essa prática aumenta a produtividade da safra. O engenheiro de produção Francisco Alves, professor na Universidade Federal de São Carlos, informa que, na região de Ribeirão Preto, “60% dos canaviais com colheita mecânica recorrem à queimada”. Segundo ele, “só nas imediações das cidades, da rede elétrica e das estradas é que o corte se faz sem o uso do fogo”. Em São Paulo, leis estaduais impuseram uma série de restrições a essa prática. Nos demais estados, inclusive no Centro-Oeste, toda a colheita mecânica utiliza a queimada.
    Outro tópico controvertido do etanol diz respeito a um dos malefícios mais notórios das usinas – o vinhoto (também chamado de vinhaça), líquido feio e mal-cheiroso, altamente poluente, que resta como subproduto da destilação da cana-de-açúcar. Para cada litro de álcool, são produzidos cerca de 12 litros de vinhoto. Por muito tempo, esse resíduo foi jogado nos rios e nos córregos, destruindo a maior parte da sua flora e fauna. A situação mudou na década de 70, ao se descobrir nele um excelente fertilizante, desde então usado nos próprios canaviais. Mas o vinhoto, conduzido por dutos aos enormes tanques onde é armazenado, deve ser submetido a cuidados extremos – o menor acidente pode causar uma contaminação com sérias conseqüências para os cursos de água. Há ainda um limite para a sua absorção pela lavoura de cana, como lembra o engenheiro Francisco Alves. “Os excessos do vinhoto penetram na terra, afetando o lençol freático, ou são levados pela chuva até rede hidrográfica”, explica. “Em grande quantidade, trazem um risco ainda mais grave, pois os canaviais se concentram na zona onde se forma o Aqüífero Guarani, a bacia que abastece todo o Cone Sul.”
   Foram os riscos do vinhoto que acenderam o sinal de alerta quando, em 2005, o governador do Mato Grosso do Sul, Zeca do PT, apresentou à Assembléia Legislativa um projeto para modificar a lei estadual que proíbe a instalação de usinas de álcool no Pantanal. A justificativa era de que seria a única opção para o desenvolvimento dos municípios daquela região mato-grossense. A resposta da sociedade civil foi uma vigorosa mobilização que, sob o lema “Pantanal sem Usinas de Álcool”, culminou com a rejeição da proposta pela maioria dos deputados estaduais. Uma nota trágica marcou a campanha vitoriosa – o suicídio do ambientalista Francisco Anselmo de Barros, que se incendiou em protesto contra o que considerava um atentado ao meio ambiente. Realmente, era só o que faltava: vinhoto no Pantanal!
    A polêmica em torno do etanol deve se intensificar no próximo ano, quando se discutirá o projeto do governo federal de zoneamento das regiões produtores. As entidades ambientalistas têm se empenhado em garantir que a produção de biocombustíveis ocorra dentro de critérios comprováveis de sustentabilidade. As principais ONGs do setor juntaram forças em torno da Iniciativa Brasileira para a Verificação da Atividade Agropecuária. Mas esse é um desafio difícil, diante da falta de controle das autoridades sobre a situação no meio rural, da precariedade dos organismos de defesa ambiental, como o Ibama, e da enorme influência do agronegócio, sobretudo nas esferas estaduais. “É muito difícil aplicar qualquer regra aos proprietários rurais”, constata Menezes, da Amigos da Terra. “Eles estão convencidos de que podem fazer o que bem entendem dentro do seu território.” As discussões sobre o zoneamento da cana-de-açúcar também representam uma boa chance de definir, afinal, as “áreas degradadas” em nome das quais se justifica a expansão indiscriminada dos canaviais. Uma pergunta se impõe, acima de qualquer consideração técnica: se o país abriga a imensidão de terras improdutivas que o agronegócio do etanol afirma existir, por que elas ainda não foram distribuídas na reforma agrária?


[1] “Fiscalização encontra mil trabalhadores em condições degradantes no Pará”, 2 de julho de 2007. Disponível emhttp://www1.folha.uol.br/folha/brasil/ult96u308917.shtml
[3] “Etanol do Brasil pode substituir 5% da gasolina até 2025, diz governo”. BBCBrasil.com, 22/3/2007. Disponível emhttp://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2007/03.
[4] “Risco de biocombustíveis para alimentação é tema de relatórios internacionais”, Agência Brasil, 29/10/2007. Disponível emhttp://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/10/25/materia-10.25.3162862236
[5] “Marcos Jank alerta para ‘inverdadades’ sobre a expansão da cana”, ProCana.com, 6/8/2007.
[6] “Demand for biofuels is driving the destruction of Brazil’s cerrado”, 28 August 2007, www.newsmongabay.com
[7] “A queimada da cana e seu impacto socioambiental”, Manoel Eduardo Tavares Ferreira, 22/9/2006, Adital – Agência de Informação Frei Tito para a América Latina.
[8] Cit. Carlos Tautz, “A corrida estrangeira pelo álcool brasileiro”, 19/6/2007, em www.outraglobalizacao.blogspot.com
[9] “Etanol: o desafio do combustível verde”, Francisco Luiz Noel, in Problemas Brasileiros, nº 382, julho/agosto 2007, pgs. 3/9.
[10] “Boom do álcool dobra valor de terra e usina”, Folha de S.Paulo, 18/3/2007.
[11] “Conseqüências econômicas das mudanças climáticas”, Carlos Eduardo Frickman Young e Priscilla Geha Steffen, no site ComCiencia, da SBPC/Labjor. Disponível emhttp://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=22&id=236
[12] “’Amazônia terá teste de fogo em 2008’”, Folha de S.Paulo, 24/10/2007, Pg.A24.
[13] “Conseqüências indesejáveis da queima da cana-de-açúcar”, 30/10/2007, Agência Fapesp.

Acesso em17/08/2012

Corrida às terras férteis

Neocolonialismo / África
Corrida às terras férteis
Convencidos de obter grandes lucros, muitos bancos, fundos de investimento, grandes grupos industriais, Estados e milionários privados planejam instalar, na África, fazendas-empresa gigantes, a fim de produzir alimentos e biocombustíveis exclusivamente para exportação
por Joan Baxter
Entre 18 e 19 de novembro de 2009, o Centro de Conferências Elizabeth II, em Londres, acolheu investidores britânicos em Serra Leoa. No fórum, o ex-primeiro-ministro Tony Blair, cuja fundação para a África patrocinou o evento, incitava os participantes a adquirirem propriedades rurais num país que, em suas palavras, “dispõe de milhões de hectares de terras aráveis1.” Levado pelo seu entusiasmo, Blair parece ter se esquecido dos milhões de serra-leoneses que dependem das culturas que produzem nestas áreas.

Convencidos de obter grandes lucros, muitos bancos, fundos de investimento, grandes grupos industriais, Estados e milionários privados planejam instalar, na África, fazendas-empresa gigantes, a fim de produzir alimentos e biocombustíveis exclusivamente para exportação. Essas operações de venda de lotes e arrendamento em longo prazo são prontamente rotuladas como programas de desenvolvimento para o benefício mútuo, tanto dos poderes financeiros envolvidos quanto dos países africanos.

Entre os defensores desta abordagem estão a Sociedade Financeira Internacional (IFC), do Banco Mundial2, e o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), agência especializada das Nações Unidas. Apesar da relutância inicial de seu diretor-geral, Jacques Diouf, que a descreveu como “uma forma de neocolonialismo”, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) acabou apoiando a proposta.

Numerosos são os exemplos dessa liquidação de terras que está acontecendo na África. A China teria obtido, na República Democrática do Congo (RDC), uma concessão de 2,8 milhões de hectares para implantar o maior palmeiral do mundo3. Philippe Heilberg, CEO do fundo de investimentos nova-iorquino Jarch Capital e ex-representante da gigante de seguros American International Group (AIG), alugou, do senhor da guerra Paulino Matip4, de 400 mil a 1 milhão de hectares no sul do Sudão. Recentemente, o Congo ofereceu a industriais do setor agroalimentício da África do Sul dez milhões de hectares da preciosa floresta tropical – área já declarada como ameaçada.

“Banco de terras”
Em novembro passado, sob a liderança do empresário saudita, de origem etíope, Mohamed Ali Al-Amoudy, cinquenta das maiores empresas a Arábia Saudita organizaram um fórum na Etiópia, com vistas a implantar fazendas exclusivamente para a exportação5. Enquanto isso, o indiano Sai Ramakrishna Karuturi, competindo com a gigante do agronegócio Cargill, alega que ter o maior “banco de terras” da África negra, principalmente com base na Etiópia6. Enquanto esse país, atingido pela seca, apela para a ajuda alimentar, o seu governo, que já cedeu 600 mil ha, se prepara para colocar mais 3 milhões ha no mercado7.

Muitos líderes africanos parecem seduzidos pela ideia de que a exportação de produtos alimentícios é a solução para a escassez e desemprego endêmicos. Eles são apoiados principalmente pela IFC. Buscando criar um “clima favorável aos negócios”, essa sociedade instalou agências de promoção de investimentos nos países envolvidos, que têm como missão ajudar os empresários a enfrentar obstáculos à liberdade comercial – representados por impostos e leis locais (direitos trabalhistas, direitos humanos, proteção do meio ambiente) e até mesmo pela soberania nacional.

O argumento mais frequente é a subutilização das terras. Ignora-se, contudo, que as áreas em repouso ou improdutivas permitem a regeneração de solos e rios. Além disso, as populações locais retiram dessas áreas florestais “não utilizadas” inúmeros recursos como alimentos, fibras, especiarias, oleaginosas, condimentos e plantas medicinais.

O Instituto de Pesquisa em Políticas Alimentares (IFPRI), em Washington, estima que, nos últimos dois anos, 20 milhões de hectares de terra, foram vendidos ou arrendados por períodos que variam de 30 a cem anos, em pelo menos 30 países, sobretudo na África8. A ONG Grain, que tenta identificar essas operações, disse que elas são pouco transparentes, e muitas vezes tão rápidas, que é difícil precisar os números9.

Alguns contratos, celebrados em alto nível, são obtidos discretamente, por trás de portas fechadas, muitas vezes com a cumplicidade dos chefes costumeiros. Apesar de considerados guardiões da terra, esses líderes locais se deixam convencer em troca de empregos de baixa remuneração na plantação dos investidores.

Preocupados com a falta de terra cultivável e querendo garantir sua segurança alimentar, os ricos Estados do Golfo Pérsico e vários países asiáticos estão entre os primeiros nesse “mercado”. Já para os operadores financeiros e os grandes grupos industriais, o objetivo é produzir biocombustíveis a partir de alimentos (cana-de-açúcar, óleo de palma, mandioca, milho) ou pinhão manso, uma planta considerada por alguns como o “ouro verde”, pois produz óleo com propriedades próximas ao diesel. Tudo isso em países africanos em luta constante por sua própria segurança alimentar, devido ao esgotamento dos recursos hídricos e as alterações climáticas, pelas quais eles não são nem um pouco responsáveis.

Crise de alimentos
A exploração intensiva das terras poderia também afetar o equilíbrio natural. Os pequenos produtores, que plantam a maior parte dos alimentos essenciais do continente por meio da agricultura de subsistência, participam na preservação da biodiversidade10 com colheitas repletas de variados vegetais. Porém, eles estão cada vez mais ameaçados pelos gigantes do agronegócio e sua monocultura (ver box).
A crise global de alimentos acelerou a corrida por terras na África. No entanto, os 1 bilhão de desnutridos do mundo não são vítimas da penúria, e sim da falta de acesso aos alimentos, cujos preços continuaram a subir em 2008. Esse aumento, fora de qualquer proporção é, em parte, devido aos ventos da especulação decorrente da decisão dos países europeus e dos Estados Unidos de se voltarem para os biocombustíveis. É irônico notar que os americanos, apesar de estimulares a luta contra as mudanças climáticas, são em parte responsáveis pela anexação de terras agrícolas. A crise econômica, também, tem desempenhado um papel neste movimento: depois da quebra, em setembro de 2008, a comunidade financeira começou a procurar novos investimentos, seguros e muito rentáveis. A seu ver, “a terra é um investimento tão seguro ou ainda mais seguro do que o ouro11.”

O relator especial sobre o Direito à Alimentação da ONU, Olivier De Schutter, lamentou que os líderes africanos assinem acordos sobre a questão sem consultar os respectivos parlamentos. Além disso, eles são colocados uns com os outros, como concorrentes, em vez de trabalhar em conjunto para impor condições aos investidores estrangeiros tais como desenvolvimento da infraestrutura ou a reserva de pelo menos metade da colheita para os mercados locais.“Quando a comida é escassa, os investidores procuram um Estado fraco que não imponha suas regras”, comentou, cinicamente, Philippe Heiberg, presidente do banco nova-iorquino Jarch Capital12.

Mesmo assim, várias organizações africanas tentam fazer com que suas vozes sejam ouvidas. Este é o caso da Copagen, uma coligação pan-africana que reúne cientistas e agricultores e trabalha para defender a soberania sobre as sementes e alimentos. Em 17 de outubro de 2009, 27 associações que a integram assinaram uma carta pedindo aos líderes do continente que retirassem seu apoio à agricultura industrial. Até agora não receberam qualquer resposta.

Financiamentos internacionais

É verdade que muitas das operações de monopolização das terras agrícolas ainda estão em fase de projeto. Mas, a não ser por acidente, um “projeto” é feito para ser concluído. Por outro lado, a compra massiva dessas terras, com a única finalidade de especulação financeira, traz consigo as raízes de conflito, desastre ambiental, o caos político e a fome, em um grau nunca antes conhecido. No âmbito da reunião mundial da cúpula sobre segurança alimentar, em Roma, em novembro passado, a FAO disse que estava trabalhando com a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), o FIDA e o Banco Mundial, num “código de boa conduta” para os empresários estrangeiros. Regulamentos internacionais também poderiam incentivar os investimentos agrícolas “responsáveis”. Esses compromissos, contudo, são muito fracos.

As soluções existem. A concessão de microcréditos, a construção de estradas para facilitar a venda de produtos agrícolas nos mercados locais, o acesso à formação para permitir que os agricultores melhorem suas técnicas de cultivo, já orientadas para a biodiversidade, suas colheitas e o armazenamento e a redução das importações, que desvalorizam seu trabalho, seriam um investimento muito mais construtivo no capital humano e na agricultura da África.


















Joan Baxter é jornalista e escritora, autora de Poeira de nossos olhos - Um olhar sem piscar da África, Wolsak e Wynn Publishers Ltd., Hamilton (Ontário, Canadá), 2008.

1     Serra Leoa aberta para negócios, Awoko, Freetown, Serra Leoa. 23 de novembro, 2009.
2     Segundo o relatório da IFC, publicado em julho de 2009, um recorde $ 2 bilhões de dólares foram investidos, em 2009, na indústria de agroalimentos, ou, 42% a mais que no ano passado.
3     Olivier De Schutter, relator especial da ONU pelo Direito à Alimentação, publicou, em 11 de junho, 2009, uma chamado para a inclusão de um conjunto de princípios relacionados aos direitos humanos como base mínima nos contratos.
4     Daniel Shepard e Anuradha Mittal, “A Grande toma de terras: corrida para as terras cultiváveis do mundo ameaça a segurança alimentar dos pobres”, Oakland Institute, Oakland, Califórnia, 2009.
5     Wudineh Zenebe, Al-Amoudi esforços para iniciar os agroinvestimentos sauditas, Addis Fortune, Addis Abeba, 29 de novembro, 2009.
6     Asha Rai, O jardineiro constante, The Times of Índia, Bombaim, 26 de setembro, 2009.
7     A Etiópia está entregando 2,7 milhões de hectares, Daily Nation, Addis Abeba, 15 de setembro, 2009.
8     Joachim Von Braun e Ruth Suseela Meinzen-Dick, Aquisição de terras por investidores estrangeiros nos países em desenvolvimento: riscos e oportunidades, IFPRI, Policy Brief 13, International Food Policy Research Institute, Washington, abril, 2009.
9     “Precisamos acabar com o acaparamento mundial de terras!” Declaração de Grain, na Reunião de Cúpula Mundial da Alimentação, em Roma, 16 de novembro, 2009.
10   Miguel A. Altieri, Agroecologia, pequenas propriedades e soberania alimentar, The Monthly Review, Nova Iorque, julho-agosto, 2009.
11   Chris Mayer, Esse ativo é como o ouro, só que melhor, DailyWealth, Vancouver, 4 de outubro, 2009.12   Knaup, Horand e Von Mittselstaed, Os investidores estrangeiros arrebatam terras cultiváveis africanas, Der Spiegel, Hamburgo, 31 de julho, 2009.









03 de Janeiro de 2010
Palavras chave: Áfricaagriculturaalimentação

http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=603
Acesso em 17/08/2012